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09 Jan 2024
Saúde infantil

Tempo de tela e o desenvolvimento saudável de crianças e jovens

O que a ciência já sabe sobre isso?

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Dra. Nínive D. G. Pignatari

No dia 07 de janeiro de 2023 encerrou-se uma consulta pública feita pelo SECOM - Secretaria de Políticas Digitais sobre o uso de telas e dispositivos digitais por crianças e adolescentes. O objetivo é instruir a elaboração de um guia orientativo para uso consciente, saudável e positivo dessas tecnologias com o olhar voltado para seus riscos, benefícios e desafios.
As ferramentas digitais e a internet, por meio de aplicativos, plataformas digitais de comunicação e serviços de streaming trazem um universo de possibilidades para a aprendizagem e o acesso aos bens culturais, ao conhecimento e ao entretenimento para todos como nunca antes aconteceu na História. Também facilitam a conexão com outras pessoas em lugares remotos, sendo uma ferramenta importante de suporte social.
Todavia, o uso de telas por crianças tem se tornado um problema grave para o desenvolvimento e a saúde mental dos pequenos, pois limita drasticamente os estímulos necessários para o desenvolvimento cognitivo e social e, além disso, tem causado inúmeras doenças.
Hoje já existe na literatura científica um conjunto sólido de evidências demonstrando que a saúde mental de crianças e adolescentes tem sido afetada pelo uso excessivo de telas e redes sociais em todo o mundo. Os dados apontam que estão associados ao uso de telas: o aumento das taxas de ansiedade, depressão, suicídio e autolesão não suicida - especialmente entre meninas -, além de outros problemas relacionados, como distúrbios de atenção, atrasos no desenvolvimento cognitivo e da linguagem, miopia, sobrepeso e problemas de sono. 
Um estudo recente realizado no estado do Ceará com 6.447 crianças mostrou que as crianças expostas a telas por mais de duas horas tiveram menos chance de alcançar seus marcos do desenvolvimento.
O Brasil é um dos países em que se passa o maior tempo utilizando smartphones, telas e dispositivos eletrônicos - em média 9h diárias de uso da Internet segundo um levantamento recente. No levantamento realizado pela Eletronics Hub só perdemos  em tempo para as Filipinas.
No caso de crianças e adolescentes, 92% da população com idade entre 9 e 17 anos era usuária de Internet no país, sendo o celular o dispositivo mais usado por crianças e adolescentes. A pesquisa ainda indicou que 86% dos usuários de 9 a 17 anos e 96% para os usuários de 15 a 17 anos possuíam ao menos um perfil em redes sociais.

Quais consequências estão associadas a esse comportamento? 

Pesquisa global realizada recentemente com 27 mil pessoas concluiu que o bem-estar mental é maior quanto mais tarde crianças e adolescentes tenham acesso a um smartphone ou tablet. Se a exposição for precoce e por tempo prolongado a situação piora. Outro estudo sugere que há uma janela de desenvolvimento específica em que o uso de redes sociais é mais prejudicial ao bem-estar mental. A idade entre 11 e 13 anos para meninas, e entre 14 e 15 anos, para meninos, é especialmente delicada com relação à exposição. Pesquisadores ainda estão investigando as causas dessa evidência. Pode ser que isso ocorra, pois os adolescentes são mais vulneráveis à pressão social do grupo, exacerbada pela exposição e pela comparação nas redes sociais. Outra hipótese estudada é a de que os danos sejam causados, porque o uso excessivo de dispositivos esteja associado à falta de sono e à redução de atividades físicas.

Para piorar o quadro, os espaços virtuais por onde circulam crianças e adolescentes são objeto de design comportamental, ou seja, há uma arquitetura planejada para capturar a atenção e maximizar o engajamento e tempo de uso desse público.  Essas funcionalidades podem aumentar o risco de abuso e estimular a dependência do jovem no uso de redes sociais ou vício em jogos eletrônicos.

Organizações públicas ou privadas no Brasil e no mundo emitem orientações alertando para os riscos do tempo excessivo de telas 

A Sociedade Brasileira de Pediatria é clara em sua orientação: crianças menores de 2 anos de idade não devem ser expostas a telas, enquanto crianças entre 2 e 5 anos devem ter o tempo de tela limitado a, no máximo, uma hora por dia. Já crianças entre 6 e 10 anos devem utilizar telas por até duas horas diárias, e crianças maiores e adolescentes, entre 11 e 18 anos, não devem ultrapassar o tempo limite de três horas de tela por dia, incluindo o uso de televisão e videogames. (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2019). A Caderneta da Criança traz recomendações no mesmo sentido, incluindo que até os 10 anos as crianças não devem fazer uso de televisão ou computador nos seus próprios quartos, não devendo possuir smartphones antes dos 12 anos.

Em maio de 2023, a Associação Psicológica Americana recomendou que o uso de redes sociais por adolescentes de 10 a 14 anos se dê apenas com monitoramento próximo dos responsáveis, devendo sua autonomia na navegação ir gradualmente ampliando. Além disso, chamou atenção para a necessidade de atenção para potenciais usos problemáticos de redes sociais, especialmente aqueles que afetam o sono e a prática de atividades físicas. (AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION, 2023).

No mesmo mês, uma das principais autoridades públicas de saúde dos Estados Unidos concluiu oficialmente, com base em revisão científica abrangente, que no presente momento, ainda não temos evidências de que redes sociais são suficientemente seguras para crianças e adolescentes. (THE U.S. SURGEON GENERAL, 2023).
 
Desafios e benefícios das telas na sala de aula

Na área da educação, o uso de telas tem apresentado desafios e benefícios. As tecnologias, em especial as facilidades introduzidas pela internet, auxiliam no processo de pesquisa e visualização dos fenômenos estudados e são ferramentas importantes para a aprendizagem. Por outro lado, o uso de dispositivos eletrônicos como celulares e tablets em sala de aula, sem mediação dos professores, pode ser um elemento de distração, comprometendo a aprendizagem. Nos horários de intervalo, podem atrapalhar o desenvolvimento de brincadeiras enriquecedoras e reduzir a socialização com os pares.
Segundo o relatório anual da UNESCO, os sistemas educacionais precisam se qualificar para ensinar por meio das tecnologias digitais e entender como as ferramentas digitais precisam ser criticamente posicionadas na educação para efetivamente beneficiarem o processo de ensino e aprendizagem. 
O relatório destacou, ainda, que o uso de dispositivos eletrônicos com cautelas traz vantagens, pois oferece oportunidades educacionais de qualidade, garantindo o engajamento dos estudantes e aumentando os recursos. As tecnologias digitais podem ter um papel fundamental no engajamento dos estudantes por ampliar o acesso a informações atualizadas e recursos de naturezas diversas, estimulando a interação e criando iniciativas de colaboração. Por fim, no que se refere à tecnologia inclusiva, as tecnologias têm apoiado a acessibilidade e a personalização para estudantes com deficiências. (UNESCO, 2023).

O que diz a OMS?

A Organização Mundial da Saúde também possui diretrizes para o uso de telas por crianças e adolescentes - no entanto, uma meta-análise recente indicou que menos de 1/4 das crianças menores de 2 anos e somente 1/3 das crianças entre 2 e 5 anos efetivamente cumprem os tempos máximos diários sugeridos. A revisão destacou a necessidade de se fornecer suporte e recursos às famílias para que possam melhor se ajustar às recomendações, todas elas fortemente baseadas em evidências.
O estudo constatou que fatores socioeconômicos influenciam na capacidade de as famílias seguirem as recomendações. Crianças que vivem em áreas com pouca disponibilidade de equipamentos e serviços públicos como creches e escolas com jornada integral ou contraturno são as mais prejudicadas. Do mesmo modo, quando a renda e escolaridade dos pais e mães é menor e existe pouco apoio para a educação das crianças, a situação se complica. Mesmo em famílias com melhor estrutura socioeconômica, o desconhecimento sobre os riscos associados ao uso excessivo de telas pode influenciar no descumprimento das recomendações da OMS.

Como lidar com essa questão?

Sendo assim, é fundamental que a informação sobre os perigos das telas circule para que familiares, educadores e responsáveis possam lidar com a situação com mais seriedade.  Há um descompasso evidente entre a forma como a família estabelece limites para as crianças no mundo digital e fora dele. Os responsáveis proíbem que a criança frequente certos lugares considerados perigosos para a saúde e a segurança, porém não monitoram as atividades virtuais que podem ser muito nocivas.

Diante desse contexto, é fundamental que os potenciais riscos do uso dessas tecnologias, tais como danos à saúde física e mental, aliciamento para práticas criminosas, de assédio moral e de exploração sexual sejam discutidos e amplamente divulgados para o conhecimento público.
De outro lado, o Estado deve promover ações que coloquem o bem-estar de crianças e adolescentes como prioridade absoluta. Uma iniciativa tomada nesse sentido é o desenvolvimento do Guia, para o qual a consulta pública foi feita.  O documento será fundamentado em evidências científicas e em conhecimentos interdisciplinares envolvendo educação, comunicação, saúde, tecnologia e direitos humanos. Pretende-se com ele fixar condutas para uso consciente de telas e dispositivos digitais por crianças e adolescentes dando às famílias, aos professores e aos profissionais de saúde orientações seguras e capazes de afastar os usuários dos riscos já conhecidos.

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No levantamento da Eletronics Hub, o Brasil só perde para as Filipinas em tempo de uso de tela. Vide https://www.electronicshub.org/the-average-screen-time-and-usage-by-country/

 

Obras consultadas e referenciadas

ABREU, CRISTIANO; GÓES, DORA SAMPAIO; LEMOS, IGOR LINS (Orgs.) (2020). Como lidar com dependência tecnológica - Guia prático para pacientes, familiares e educadores.  Belo Horizonte: Editora Hogrefe.

BRASIL.  SECOM - Secretaria de Políticas Digitais Consulta pública: USO DE TELAS POR CRIANÇAS E ADOLESCENTES https://www.gov.br/participamaisbrasil/uso-de-telas-por-criancas-e-adolescentes

AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. Health Advisory on Social Media Use in Adolescence. May 2023. https://www.apa.org/topics/social-media-internet/health-advisory-adolescent-social-media-use

BEIDACKI, C.; FARIAS, B.; BENATTI, G.; BOEIRA, L. (2023). Tempo de tela para crianças e adolescentes: Revisão exploratória rápida. São Paulo: Instituto Veredas. Santos, R.M.S. et al (2023). The associations between screen time and mental health in adolescents: a systematic review. BMC PSYCHOLOGY, Vol.  11, n. 127.

BRASIL. Ministério da Saúde (2022). Caderneta da Criança – 5a ed. p. 60.

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Redação EaD Unifev
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